30/06/2023 / Escola Miró, Texto

TEXTO 4: Portas: “É melhor abrir para ventilar”

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A equipe da Miró produziu uma série de textos reflexivos, que serão publicados periodicamente no nosso blog, com a provocação: Conteúdo é Isso! Para que possamos problematizar que modelo de educação está esculpido em nós e o que desejamos para nossas crianças e adolescentes.

 

Portas: “É melhor abrir para ventilar”

Por Karen Garretano – coordenadora do Fundamental 1

Era janeiro de 2006 e meu primeiro dia na Miró. Parei em frente à porta e pensei: “o que será que me espera além dessa porta?” Foi preciso uma dose de coragem para abri-la, pois mesmo com 12 anos de experiência em educar crianças pelo viés da arte-educação, sabia que começaria ali novos desafios, questionamentos, inquietações… teria que rever minha prática porque a escola, na qual fui ensinada, tinha o professor como o único detentor do saber e a escola, além daquela porta, tinha como elemento estruturador a aprendizagem a partir da tríade (conhecimento,img2 professor e aluno).

Mas, como fazer isso? Como os alunos conseguem aprender desse jeito? Será que desse jeito dá certo? Só tinha um jeito de saber, abrindo a porta dessa escola e estar disposta a entender a concepção construtivista.

Assim aprendi que, nesta teoria, o papel do professor tem muitas funções, entre elas:

Ser agente mediador entre a criança e o conhecimento, no qual precisa pensar em boas e instigantes problematizações para que as crianças possam atribuir sentido e construir significados implicados nos conteúdos, levando em consideração as experiências, interesses e conhecimentos prévios de cada um.

Construir na sala de aula um ambiente didático e democrático para que todos possam participar ativamente das tomadas de decisões.

Nessa perspectiva, entendi que minha experiência como estudante se diferenciava da minha prática. Anteriormente, os conhecimentos estavam todos dentro dos livros e ao fechá-los não tinha mais acesso a informações e saberes. Neste caso, a aprendizagem é vista como aquisição de respostas adequadas graças a um processo mecânico de reforços positivos ou negativos. O professor não considera como o aluno aprende. Absoluto engano! Sabemos que a aprendizagem não é uma questão de tudo ou nada e sim, uma questão de estabelecer relações, elaborar uma representação pessoal sobre um objeto, atribuir significado…

Ao longo desses anos, tive relatos de famílias contando como as crianças usam o conhecimento aprendido em sala de aula nas situações do dia a dia. Como mãe, tenho vivenciado constantemente situações assim. Trago exemplos de quando em conversas entre amigos falávamos sobre as religiões e crenças de cada um e minha filha trouxe o conceito de politeísmo e monoteísmo aprendidos nas aulas de História. Ou durante uma viagem em que fez a leitura e interpretação do GPS que mostrava uma represa, rios e seus afluentes, conteúdo trabalhado durante o estudo de campo para Serra da Canastra. Ou na praia durante a observação da balsa em que retomou o estudo realizado no 4º ano sobre flutuação… Teria aqui muitos outros “ous”… Portanto, a relação que as crianças e adolescentes desta escola têm com o conhecimento é muito maior do que saber o conceito em si, é a curiosidade e interesse pela aprendizagem em seu sentido mais amplo, é desenvolver a capacidade de procurar, interpretar, reelaborar e comunicar os conteúdos escolares em distintos contextos.

img3Desta maneira, todas as dúvidas que eu tinha antes de abrir aquela porta foram respondidas. De que forma? Entendendo a concepção construtivista, o meu papel como educadora, como pessoa e como parte de uma equipe. Foi por meio do espaço de troca, conhecimento, inovação e firmeza em seus valores e princípios que fui aprendendo e me apaixonando por essa teoria.

De acordo com Coll e Solé: “Na concepção construtivista, assume-se que na escola os alunos aprendem e se desenvolvem na medida em que podem construir significados adequados em torno dos conteúdos que configuram o currículo escolar. Essa construção inclui a contribuição ativa e global do aluno, sua disponibilidade e conhecimentos prévios no âmbito de uma situação interativa, na qual o professor age como guia e mediador entre a criança e a cultura.”

A interrogação que pairava em mim antes de abrir aquela porta se transformou em exclamações, reticências, vírgulas, outras tantas interrogações… Descobri que além daquela porta não havia pontos finais, pois estamos em constantes descobertas, buscas, inquietações. Hoje, a interrogação que me atravessa é: e se não tivesse aberto aquela porta?