16/06/2023 / Escola Miró, Texto

TEXTO 3: NOSSAS CRIANÇAS PRECISAM CRESCER!

A equipe da Miró produziu uma série de textos reflexivos, que serão publicados periodicamente no nosso blog, com a provocação: Conteúdo é Isso! Para que possamos problematizar que modelo de educação está esculpido em nós e o que desejamos para nossas crianças e adolescentes.

 TEXTO 3: NOSSAS CRIANÇAS PRECISAM CRESCER!

Crianças e Seus Brinquedos, João Paulo de Souza

Por Théa de Oliveira Rodini – Coordenadora da Educação Infantil

Trabalho com crianças pequenas há 27 anos, os últimos 15 como coordenadora de Educação Infantil. De lá para cá presenciei, vivenciei e busquei mudanças… transformar faz parte do processo de crescimento de qualquer indivíduo, da sociedade e das instituições.

Do começo da minha vida como educadora, lembro de crianças pequenas que davam conta de fazer muitas coisas sozinhas: carregavam suas mochilas, se vestiam com facilidade, compartilhavam brinquedos, sabiam ouvir NÃO e ‘tudo bem’, caiam, choravam, se machucavam e seguiam em frente… brincando e aproveitando a infância. Da mesma maneira, as famílias, em geral, se mobilizavam menos com arranhões, choros, conflitos, birras. Sendo assim, as crianças enfrentavam as adversidades da infância com mais naturalidade, mais leveza, vivendo esses desafios como processos comuns dessa etapa do desenvolvimento. E há algum tempo tenho percebido que as crianças têm chegado diferentes na escola, as habilidades e as competências têm mudado. Se, por um lado, temos crianças mais ativas, mais estimuladas cognitivamente, muitas parecem ser mais dependentes e menos autônomas em algumas situações cotidianas e isso inclui uma série de evidências que são de extrema importância que para que cresçam de maneira saudável e se desenvolvendo plenamente.

E por que não estamos deixando nossas crianças crescerem de forma integral? Em uma escola construtivista sempre começamos uma conversa, um debate, uma reflexão, através de boas perguntas. Gostaria de começar uma reflexão e abrir para a possibilidade de troca sobre o tema. Percebo que esse assunto tem sido recorrente nas nossas reuniões com famílias e nas conversas que acontecem nas portas das salas… há muitas dúvidas, inquietações, angústias… e nada melhor do que uma boa prosa para podermos refletir sobre algo que nos atravessa e agirmos com mais segurança por meio das lógicas que construímos!

Nos momentos de entrada e saída da escola vejo cuidadores que fazem tudo, literalmente tudo, pelas crianças e muitas vezes o que parece é que os adultos não percebem o potencial que elas têm. Algumas famílias acreditam que as crianças não são capazes de lidar com frustrações como ouvir a negativa de algo que querem, ou de realizar tarefas comuns do dia a dia. Já ouvi relatos de famílias dizendo que não querem que seus filhos chorem no momento da entrada ou durante o processo de adaptação, ou que aquela criança não sabe ouvir não…. e recorrem às professoras como se estivessem pedindo ajuda. “Não consegui colocar o casaco nela… e está tão frio…”, “Ele não aceita sentar na cadeirinha, fica nervoso”, “Esse brinquedo é pequeno, ele pode colocar na boca e engolir, mas não aceitou me entregar”. Outro dia observei uma criança num esforço danado para colocar sua mochila na prateleira, a mãe estava aflita na porta da sala e a professora incentivando que ela fizesse sozinha…. demorou um pouco, mas ela conseguiu! E vibrou com essa conquista! É lindo poder presenciar e reconhecer quando alguém busca e consegue superar desafios.

 

A Família, 1925 Tarsila do Amaral

Também sou mãe, meus filhos já são ‘grandes’, e passei por desafios em algumas fases… e nesse papel sei que muitas vezes é difícil deixar os filhos crescerem, ‘criar para o mundo’, como dizem. Muitas vezes o choro nos atravessa, a frustração de quem gostamos tanto nos incomoda, queremos fazer tudo por eles e para eles. Porém, como mãe e educadora, tenho percebido o efeito da privação de limites em nossas crianças. Muitas vezes as aquisições em relação ao desenvolvimento da autonomia podem acontecer de forma espontânea, mas a falta de desafios ou a superproteção podem gerar crianças inseguras, acomodadas e com pouca iniciativa em tentar superar as dificuldades ou obstáculos.

Crianças precisam de referência, de modelos e quando estão no processo intenso de aquisições de algumas habilidades também precisam de indícios de crescimento e que acreditemos que conseguirão superar os desafios. Nesse contexto o papel do adulto e da escola é extremamente importante para equilibrar a dose entre os cuidados, ajudas necessárias para cada faixa etária e o proposições em relação a aquisição da autonomia.

 

Meninos brincando (1955), Portinari

Existem algumas maneiras de promover o desenvolvimento nesse aspecto, como, por exemplo, não fazer pelas crianças ou pelos adolescentes o que conseguem fazer sozinhos, essa pode parecer, mas não é, uma tarefa assim tão fácil. Muitas vezes é mais eficiente e mais rápido fazermos ou anteciparmos algumas coisas, principalmente quando a rotina do dia a dia nos cobra pressa, rapidez, urgência… e eles têm outro tempo, outro ritmo, diferente dos adultos. Por isso, quando solicitarmos coisas que são capazes de fazer e que são exercícios indispensáveis para a aquisição da autonomia, é importante respeitar o ritmo individual e adequar expectativas para permitir que façam do seu jeito. O ideal é começar com uma ajuda ‘supervisionada’, respaldada nas orientações de um adulto, e que vá diminuindo aos poucos. Se alimentar sozinha, guardar brinquedos, organizar a lancheira, limpar algo que caiu no chão, ajudar a retirar os pratos e utensílios da mesa, auxiliar na preparação de alguns alimentos (lavar legumes, frutas, verduras), são algumas tarefas que as crianças já conseguem realizar a partir dos 3 anos.

Do mesmo modo, é importante que possam participar de situações de escolha, que pode ser desde a história que quer ouvir, até a fruta que vai comer. Algumas vezes é preciso limitar as opções para que não se sintam perdidas e até para tornar viável que as escolhas aconteçam, por exemplo, oferecer três tipos de roupas para que possa escolher entre essas opções qual quer vestir. Nessas situações é importante ajudar a criança a pensar, mas não decidir por ela, dessa maneira irá aprender a ponderar entre os prós e contras de uma decisão ou ação.

 “Quero levar esse brinquedo na escola, mas posso perdê-lo”, “Não quero comer agora, mas depois ficarei com fome”, “Posso tirar todos os brinquedos da prateleira, porém depois tenho que guardá-los”.

Também faz parte do desenvolvimento da autonomia, aprender a lidar com as frustrações e compreender que as próprias ações geram consequências e que essas podem ou não ser agradáveis e tudo bem! Para que isso aconteça os modelos e boas conversas são fundamentais. Acolher e ouvir o que estão sentindo é importante, porém, mostrar que nem tudo acontece da maneira que querem e que nem todas suas vontades serão atendidas, é imprescindível para que se desenvolvam a capacidade de serem tolerantes, empáticas e resilientes.

Segundo a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), uma das competências gerais da educação básica é desenvolver nos alunos a habilidade de “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. Para que essa competência seja alcançada, as crianças precisam desenvolver percepções no âmbito cultural, social, afetivo e cognitivo, ou seja, precisam de habilidades internas e modelos externos… e aqui entra a escola! A escola é um dos lugares em que a criança conquista aprendizagens sociais importantes, desenvolve habilidades e convive com a diversidade. A construção da autonomia ocorre com maior potência se acontecer transversalmente e com intenção educativa, portanto aqui na Miró, investimos para que essa habilidade seja natural e gradualmente conquistada de acordo com as possibilidades e desafios da faixa etária.

 

O abraço, Sandra Guingle

Para além disso, outras ações contribuem nesse processo. Em uma escola construtivista as crianças são constantemente instigadas a superar desafios, resolver problemas, tomar decisões e enfrentar as consequências de suas escolhas, debater, construir argumentos, elaborar hipóteses e estratégias, expressar seus desejos, necessidades e opiniões. Todas essas ações estimulam, além do desenvolvimento da autonomia, a reflexão, a criticidade e a ética. Essas aquisições serão importantes para o resto de suas vidas.

Sigo como educadora persistindo em um modelo de educação que acredita no potencial da infância e que quer ver suas crianças crescerem.

 

Referências:

Aprender e ensinar na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.

EDWARDS, Carolyn; GANDINNI, Lella e FORMAN, George; trad. Dayse Batista. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Editora Artmed, 1999.