02/06/2023 / Escola Miró, Texto

TEXTO 2: ALFABETIZAÇÃO

TEXTO 2: ALFABETIZAÇÃO

A equipe da Miró produziu uma série de textos reflexivos, que serão publicados periodicamente no nosso blog, com a provocação: Conteúdo é Isso! Para que possamos problematizar que modelo de educação está esculpido em nós e o que desejamos para nossas crianças e adolescentes.

 TEXTO 2: Alfabetização 

Por Flávia Giubilei – Coordenadora do Ensino Fundamental 1

Não conseguiria discorrer sobre a alfabetização antes de reiterar, mesmo que brevemente, sobre a função da escola, no caso, do nosso lugar Miró que, como dito em um texto querido: “…é emocional, afetivo, o lugar para a construção de uma subjetividade sem nome e sem data, uma ponte para aqueles que vão para o mundo…”. Neste lugar o projeto de educação é emancipador, tem por objetivo a qualidade do ensino e da aprendizagem e a formação de sujeitos críticos e reflexivos. E diante das expectativas alimentadas culturalmente acerca da alfabetização, por parte das crianças, educadores e familiares, aqui no nosso lugar, refletimos a partir do que nos move como princípio. Nossas práticas educativas estão estruturadas em uma concepção construtivista e, por isso, prevê nas escolhas pedagógicas, o olhar para os processos de ensino e de aprendizagem que incluem: significado (aprende-se quando se constrói sentido), ação (aprende-se na busca por respostas), interação (aprende-se com os pares, professores, família e comunidade) e reflexão (aprende-se refletindo sobre o que se está aprendendo).

AlfabetizaçãoNas palavras de Emília Ferreiro, grande referência teórica para a alfabetização, “a escrita é importante na escola pelo fato de que é importante fora da escola, não o contrário”. Formar crianças leitoras e produtoras de textos, além de ter fundamental relevância na proposta pedagógica, representa um compromisso ético e social, uma vez que dominar a leitura e a escrita insere a criança na sociedade em que vive. Portanto, a função social e comunicativa das práticas providas para a alfabetização é nosso caminho, que de suave não tem nada. Para além da aquisição do código estão os usos, os pretextos, os sentidos, ditos e não ditos, as nuances embutidas na cultura, na linguagem, na expressão. Tudo isso é motivo para trazermos para a sala de aula todos os tipos, jeitos e motivos de se ler e de escrever.

Ainda à luz dos princípios/concepção construtivistas, proponho a reflexão sobre a alfabetização pela ótica dos três vértices do triângulo didático: criança, professor e saber, uma vez que, integrados, constituem o processo de ensino e aprendizagem.

AlfabetizaçãoÉ fundamental entender as crianças como pessoas que já possuem conhecimentos sobre a língua escrita e que são capazes de reorganizar seus esquemas mentais para saber mais. Desde muito pequenas investigam e criam hipóteses sobre os textos aos quais estão expostas. São capazes de explicar, relacionar e construir sentido ao que deve ser lido ou escrito. Leem o mundo muito antes de estarem alfabetizadas e, sim, buscam o domínio do código, pois estão inseridas na sociedade. Nas palavras de Emília Ferreiro “Por trás (ou além) dos olhos, dos ouvidos, do aparelho fonador e da mão, há um sujeito que pensa e que tenta incorporar seus próprios saberes a esse maravilhoso meio de representar e recriar a língua que é a escrita”. Ativas, inteligentes, criativas, nossas crianças aprendem desde pequenas a vivenciar e entender os diferentes textos que circulam na escola e são convidadas a ações cooperativas de análise, produção e discussão, tanto de forma coletiva quanto individual.

No que tange à figura do professor, entendemos que este é o mediador do processo: faz boas perguntas, faz intervenções, problematiza, promove conflito cognitivo, corrige, dá modelo. Sobretudo, planeja boas propostas didáticas que promovem a busca pelo conhecimento. “No momento em que o professor entende que o aprendiz sempre sabe alguma coisa e pode usar esse conhecimento para seguir aprendendo, ele se dá conta de que a pura intuição não é mais suficiente para guiar seu trabalho”, resume Telma Weisz. Para tanto a equipe de professores alfabetizadores se debruça diariamente na missão de analisar as ações, práticas e produções das crianças e assim, traçar boas intervenções didáticas para que cada criança possa avançar em seu processo. Com amplo conhecimento sobre as práticas de linguagem e as estruturas da língua, o professor faz circular os diferentes saberes das crianças sobre a leitura e a escrita para que confiem em si mesmas, entendam e reconheçam seus avanços.

AlfabetizaçãoAgora pensemos sobre o saber que, em uma visão limitada de alfabetização, estaria restrito à regra, ao código, às estruturas da língua. Mas não se restringe somente a isso, mesmo que sejam importantes na escola. O saber, no caso, se amplia, pois, a investigação das crianças está além do código, do B+A, os pequenos investigam o sistema linguístico, seus sentidos, contextos e significados. Não querem somente saber o que está escrito, querem saber para que está escrito; não somente como se lê, mas, por quê e para quem se lê. Por isso, para que o saber esteja conectado com os demais vértices do triângulo (criança e professor) quanto mais contextualizadas as práticas pedagógicas estiverem, mais sentido farão para o aprendiz. E é fundamental que as propostas referentes à alfabetização tenham progressão das dificuldades de análise do código e qualidade dos textos oferecidos, textos contextualizados, com função real e comunicativa.

Alfabetização Por fim, o trabalho alfabetizador na escola, desde a Educação Infantil até os anos iniciais do Ensino Fundamental, é, sobretudo, um compromisso com as crianças, que não pode ser pensado e planejado sem a condição do respeito aos processos de aprendizagem e à infância. Desde muito pequenas estão inseridas no contexto escolar e “desvendam” os textos próprios desse lugar. São convidadas a explorar textos lidos pelo professor e outros do contexto local, constroem textos coletivamente, assinam desenhos, bilhetes e produções de Arte. Registram memórias da turma, fazem diários, constroem relatos de uma pesquisa, fazem listas, interpretam receitas e manuais de jogos, produzem reescritas, entre tantas outras propostas atreladas aos estudos e projetos de cada sala. A escola como espaço coletivo de direito da criança, deve ser o palco para muitas possibilidades significativas de investigação, experimentação e reflexão das práticas de leitura e escrita. Me orgulho de estar em uma escola que propõe a construção do saber, esse caminho não tão suave, mas instigante, desafiador e real, que considera a curiosidade e o interesse, que promove a busca e a investigação.

Referências:

Além dos muros da escola: a escrita como ponte entre alunos e comunidade. J. Jolibert, J. Jacob e colaboradores. Artmed, 2006.

Cultura escrita e educação. E. Ferreiro. Artmed, 2001.

O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. T. Weisz. Ática, 2000.

Passado e presente dos verbos ler e escrever. E. Ferreiro. Cortez, 2002.

Reflexões sobre a alfabetização. E. Ferreiro. Cortez/Autores Associados, 1997.

Seria tudo isso o mesmo que não dizer nada. F. Nassar. Publicação comemorativa, 25 anos da Escola Miró, 2016.