18/05/2023 / Escola Miró, Texto

TEXTO 1: SOBRE ADOLESCÊNCIA!

A equipe da Miró produziu uma série de textos reflexivos, que serão publicados periodicamente no nosso blog, com a provocação: Conteúdo é Isso! Para que possamos problematizar que modelo de educação está esculpido em nós e o que desejamos para nossas crianças e adolescentes.

 TEXTO 1: SOBRE ADOLESCÊNCIA!

Por: Marina Senne – Coordenadora Pedagógica Ensino Fundamental 2

(imagens de @cyntiagyuru)

Sou coordenadora do Fundamental 2 e trabalho com adolescentes há 15 anos, o que me faz ter alguma experiência com a juventude, mas ainda nenhum lugar de fala como mãe de adolescente. Este é um texto sobre adolescência, entretanto tenho que contar sobre a vivência de minha filha mais nova frequentando o grupo 2 na Miró. Com seus dois anos, Olívia incorpora e recria a cada dia um sem fim de palavras. Sua comida favorita é o macarrão furapuso. Porém, o que me impressiona mesmo é como suas professoras genuinamente tratam aquele cotoquinho de gente recém-inaugurado na linguagem falada como um sujeito. E se abaixam para falar com ela. E perguntam sobre suas hipóteses sobre a jabuticaba que brota no jardim da Miró. Isso de tratar minha filha como um sujeito me atravessa. Os limites afetivos oferecidos a ela no espaço coletivo transbordam as chances dela saber quem pode ser. Essa escuta para alguém que ainda não sabe amarrar os sapatos dá um importante recado de que aquilo que ela pensa, sente e imagina sobre o mundo é relevante e marcará diferentes possibilidades na construção de sua autonomia.

Deixar que minha filha experimente as diferentes tintas, papeis, texturas imprime nela a possibilidade de imaginar um mundo diferente. Me lembro de criança pintando imagens fotocopiadas tomando cuidado para não pintar a cor errada e levar bronca da professora. Estudos contemporâneos de educação e neurociência evidenciam a relevância da primeira infância na constituição de quem somos na vida adulta. Eu fico divagando como será ela na adolescência e que mundo a espera. Para mim, um mundo que vai precisar de pessoas inventivas, capazes de descobrirem novas cores, pintando fora do traçado pronto.

Ao final do século XX se esperava que a educação do século XXI seria determinada pelas tecnologias e que bastaria ensinar o domínio de softwares para formarmos os novos cidadãos do mundo. Entretanto, os currículos contemporâneos das escolas do norte europeu e das principais universidades do mundo colocam como prioridades educacionais: a criatividade, empatia, ética e responsabilidade social. Competências expressivamente distintas das imaginadas no apogeu da Modernidade.

Não sei ser mãe de adolescente ainda. E fico angustiada quando penso o mundo, a tecnologia e as pessoas do mundo daqui a dez anos. Não consigo dimensionar pontos mais relevantes para o desenvolvimento dos jovens do que a formação ética e a autonomia do pensamento. O que tenho lido sobre os efeitos das tecnologias na formação dos adolescentes hoje é sim preocupante. Impusemos um ideal de felicidade aos nossos jovens cruel e impossível de ser atingido. Somamos a isso a insegurança típica dos adolescentes que há tempos vivem nesse limbo imposto pela Modernidade. Contardo Caliggaris retoma a adolescência como tempo de moratória em que acabamos com a fantasia da infância ao mesmo tempo em que privamos os adolescentes de se colocarem na vida adulta. Desde a invenção da adolescência temos colocado a juventude num lugar de insegurança e sofrimento.

Há pouquíssimo tempo foi somada a essa angústia a exposição descontrolada às redes sociais. É raro uma família com quem converso que não sofra com o abuso de horas dos adolescentes nas redes sociais assim como com os efeitos nocivos gerados pelo tratamento de si como mercadoria. Ainda não sou mãe de adolescente, mas sei lembrar da minha adolescência. Tinha a sensação clara de que não era compreendida, principalmente pelos meus pais. Somente meus amigos e o Renato Russo me entendiam. Acho que uma primeira dica aos pais de adolescentes é lembrarem de como se sentiam. Segundo Christian Dunker: “Se olharmos para trás geralmente encontramos nossa adolescência como um momento de muita angústia e incerteza, cheio de decepções e descobertas, várias delas desagradáveis. Mas estranhamente quando olhamos em seguida para nossos filhos não conseguimos ver neles nada além de uma obrigação de satisfação e felicidade”.

 

Apesar da adolescência ser comumente retratada na literatura como um momento de ruptura, Palácios argumenta que crianças que tenham tido experiência de uma aprendizagem autônoma de respeito à expressão dos desejos tendem a experenciar a transição para a vida adulta de maneira menos disfuncional. Nesse sentido, a adolescência é, para ele, um produto de toda a história evolutiva anterior.

O que dizer para as famílias de adolescentes mesmo sem ter lugar de fala? Primeiramente, para confiarem nas experiências construídas ao longo de toda a história de desenvolvimento de seus filhos. Em segundo lugar, que mesmo diante dos desafios, provocações (típicas desse momento) tratem seus filhos como sujeitos que precisam ser escutados. Escutar também pressupõe estabelecer limites claros e prioritariamente não-violentos. É preciso problematizar sobre a imposição de felicidade fortemente colocada aos nossos jovens. Por fim, a contemporaneidade nos coloca novos enfrentamentos e talvez velhas soluções. Somos exemplo para eles. Precisamos repensar sobre o uso de nosso tempo e oferecermos um repertório de existência mais amplo do que o espetáculo das redes sociais.

Enquanto escola me coloco também na função de escuta, acolhimento desses jovens. Para que se sintam sujeitos e possam inventar um outro mundo. Quem sabe diferente daquele que minha juventude impôs. Fico chocada como outras escolas se orgulham de estabelecerem currículos que ignorem os pontos mais relevantes na formação da juventude contemporânea. Não estou falando de um propósito de educação que achamos importante só aqui na Miró, mas de uma pauta estabelecida por pesquisas científicas atuais e órgãos internacionais de Educação.

Eu vejo a adolescência como um rearranjo maravilhoso de quem está inventando a si próprio. Um caminho potente é firmar o mesmo traçado das professoras do Grupo 2. Escutarmos o que estão falando. Olharmos no olho. (Muitas vezes agora temos que olhar para cima para isso). Deixar que fortaleçam sua autoestima. Ajudá-los a terem limites claros problematizando o egocentrismo e narcisismo esperados para idade e para o contexto no qual estamos inseridos. Confiem na primeira infância. Eles já têm muitas das ferramentas de que precisam.

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

CALLIGARIS, C. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000.

DUNKER, C. C. Sofrimento adolescente, um desafio para famílias e escolas. Entrevista com o psicanalista Christian Dunker, 2018.

https://abepar.com.br/index.php/temas/item/106-sofrimento-adolescente-um-desafio-para-familias-e-escolas-entrevista-com-o-psicanalista-christian-dunker

CLERGET, Stéphane. ADOLESCÊNCIA – A CRISE NECESSÁRIA. Editora: Rocco, 2004

PALÁCIOS, J. O que é a Adolescência.In: Desenvolvimento psicológico e Educação.

SOFFNER, Renato Kraide. Competências para o Século 21.