05/05/2023 / Escola Miró

TEXTO DE ABERTURA: CONTEÚDO É ISSO!

A equipe da Miró produziu uma série de textos reflexivos, que serão publicados periodicamente no nosso blog, com a provocação: Conteúdo é Isso! Para que possamos problematizar que modelo de educação está esculpido em nós e o que desejamos para nossas crianças e adolescentes.

 TEXTO DE ABERTURA: CONTEÚDO É ISSO!

“Esculpir

o mar até torná-lo o rosto

de quem desaparece…

Dizer

(na calmaria ou na tempestade)

o indizível usando

o mar como material…

O mar como construção…

O mar como invenção..”

(Giorgio Caproni)

O poeta italiano Giorgio Caproni homenageia o escultor Mario Ceroli. Para ele poesia e escultura se mimetizam. As duas artes se utilizam da criação a partir de uma matéria bruta.

Antoni Zabala, importante referência da didática construtivista, argumenta de maneira categórica, que existem dois tipos de escola: as que se preocupam apenas com o desenvolvimento acadêmico e as que se dedicam à formação dos alunos para a vida. Nesse sentido, é importante refletirmos sobre com qual perspectiva educacional estamos mais alinhados. Acreditamos em uma escola que objetiva unicamente a formação cognitiva capaz de tornar os educandos aptos a resolver uma prova seletiva, ou acreditamos em uma concepção de escola que se preocupa com a formação integral de seus alunos?

Assim como a maioria das escolas inovadoras ao redor do mundo, na Miró problematizamos o modelo de instituição educacional criado no século XIX, pautado no Positivismo, em que o papel da escola se define a partir, estritamente, do desenvolvimento de conteúdos acadêmicos e que são medidos pelo desempenho em avaliações que selecionam quais alunos estão aptos a próxima etapa. Para nós, a escola é sim responsável pela formação acadêmica e investe rigorosamente seu tempo em formar bons leitores, bons escritores e sujeitos com raciocínio matemático, geográfico e científico. Todavia temos duas diferenças básicas com essa escola pensada no século XIX. A primeira delas é a finalidade do nosso investimento, aonde queremos chegar com a aprendizagem de nossas crianças e adolescentes. Nossa preocupação é com a formação do pensamento autônomo. Queremos que nossos alunos possam, de forma independente, pensar o mundo em que vivem. Não é uma configuração do ensino restrita a uma reprodução, mas a possibilidade de uma aprendizagem inventiva. A segunda diferença é que não acreditamos que o único papel da escola seja o desenvolvimento acadêmico. Nesse sentido, além da autonomia do pensamento, precisamos formar sujeitos com autonomia moral, que sejam capazes de se sociabilizar, trabalhar bem em grupo, que sejam propositivos, criativos, que cuidem do corpo e possam inventar poesia e esculpir um novo mar.

 

Na perspectiva da Filosofia da Educação, precisamos indagar para que serve a escola no mundo contemporâneo. Os estudos de filosofia educacional atuais remetem à possibilidade de construção de uma Educação inventiva. “A invenção de que eu falo, e para isso me baseio na filosofia de G. Deleuze (1988), não é só uma capacidade de solução de problemas, mas, sobretudo, de invenção de problemas. Além disso, a invenção é sempre invenção do novo, sendo dotada de uma imprevisibilidade que impede sua investigação e o tratamento no interior de um quadro de leis e princípios invariantes da cognição. […] A aprendizagem surge como processo de produção da subjetividade como invenção de si. Além disso, a invenção de si tem como correlato, simultâneo e recíproco, a invenção do próprio mundo.”  (KASTRUP, 2005, p.1277)

Se o leitor der um google com o sintagma “escola forte”, encontrará a mesma resposta, em sites mais ou menos confiáveis: “escola forte” é aquela que considera não só o conteúdo aprendido, mas a forma como isso ocorre; é aquela que valoriza a autonomia do aluno, seu protagonismo e sua criatividade, usando a tecnologia e outros recursos atuais em prol de atividades lúdicas e críticas. Não há uma linha sequer para sustentar o discurso obsoleto que diz: “tal escola é forte, porque é puxada”. De acordo com este último olhar, “forte” seria a escola que trabalha muitos conteúdos, que tem a avaliação como objetivo final do processo, que apresenta “resultados”.

Até porque, não sabemos que resultados são esses. Especialistas em Mercado de Trabalho e Novas Tecnologias afirmam que mais de 80% das profissões que existirão em 2030 sequer foram criadas; o que sabemos, portanto, é que vivemos em uma sociedade em transformação constante, onde a mera “repetição” não é garantia de nada – pelo contrário, ela apenas mantém as crianças e os jovens alheios ao que se passa à nossa volta, decorando conteúdos sem aprender a pensar. Pior: a “escola forte” acredita que sua função é a de moldar os alunos, esculpi-los à sua imagem e semelhança, de forma homogênea e uniforme.

Insistindo na metáfora, podemos dizer que a escultura é, sim, uma ótima analogia para a educação. Não porque nossas crianças e adolescentes sejam esculpidos, até tornarem-se modelos de um falso ideal, mas sim porque a Escultura é uma forma de Arte que nos faz ver e sentir o quanto é inseparável a forma (o como fazer) do conteúdo (o que fazer). A Arte traz essa verdade, que também é fato no mundo da educação: o modo de fazer é condição essencial para aquilo que se faz.

Será que já não passou da hora de nos perguntarmos o que é conteúdo, afinal?

 

 

EQUIPE GESTORA DA MIRÓ

Referências bibliográficas

KASTRUP, V. Políticas cognitivas na formação do professor e o problema do devir-mestre. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 93, p. 1273-1288, Set./Dez. 2005.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.