11/08/2023 / Texto

TEXTO 5: Gostar ou não gostar de Matemática: eis a questão?

A equipe da Miró produziu uma série de textos reflexivos, que serão publicados periodicamente no nosso blog, com a provocação: Conteúdo é Isso! Para que possamos problematizar que modelo de educação está esculpido em nós e o que desejamos para nossas crianças e adolescentes.

TEXTO 5: Gostar ou não gostar de Matemática: eis a questão?

Por: Claudia Nakao (Codi) – Coordenadora do fundamental 2

Antes de vir para a Coordenação, eu dava aulas de Matemática. Toda vez que os alunos descobrem isso, me dizem assustados: “Nossa, Codi! Mas você gosta de Matemática?!” ou então: “Você deve ser muito inteligente mesmo.”

Há essa ideia bastante difundida e enraizada da Matemática como uma área chata, difícil e “para poucos”. É claro que há vários motivos para isso, e alguns passam por evidências, como o fato da Matemática ser a ciência do raciocínio lógico e abstrato e ser caracterizada pela busca rigorosa e objetiva de padrões e deduções. Entretanto, a má fama da Matemática está bastante relacionada a como a aprendemos na escola. Ou melhor, como tradicionalmente a Matemática é trabalhada nas escolas.

As aulas são recheadas de fórmulas a serem aplicadas; de listas intermináveis de exercícios, na maioria das vezes descontextualizados e semelhantes entre si, que basta você saber fazer o primeiro e,  mecanicamente, resolve os demais. Os alunos só levantam a mão para perguntar se “está certo” o resultado a que chegaram – “não, você errou a tabuada”. Após aplicarem as fórmulas, há uma correção dos exercícios na lousa, que não passa de um passo a passo de como todos deveriam ter feito, e um gabarito dos resultados.

Os alunos se sentem motivados ou desmotivados a aprender a depender do número de exercícios que acertaram. Isso, ao longo de toda escolaridade, divide a turma entre os “bons” (a quem recorremos para copiar os resultados da lição!) e os “ruins” (que fazem e refazem os mesmos exercícios, como se assim pudessem aprender melhor).

Na contramão das teorias socioconstrutivistas e dos estudos contemporâneos sobre aprendizagem, os alunos não participam da construção do conhecimento, seus saberes anteriores e hipóteses são pouco considerados para ancorar os novos conceitos e não há trocas entre os estudantes. Dessa maneira, mesmo os alunos que conseguem aplicar as fórmulas e ferramentas para chegar aos “resultados corretos” não estão, necessariamente, construindo conhecimento matemático nem pensando matematicamente.

Segundo a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o compromisso das escolas deve ser com o chamado Letramento Matemático, definido como “as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas.”

Assim como na alfabetização no sistema de escrita, na Matemática também é preciso ir além do juntar as letras e entender os fonemas. É preciso saber interpretar, relacionar, representar, argumentar – habilidades que não se aprendem resolvendo uma lista de equações.

 

Assim como para todas as áreas do conhecimento, é preciso pensar um ensino da Matemática não superficial, não mecânico e que garanta uma aprendizagem significativa para os alunos. Não se trata de abrir mão do que é mais difícil ou reduzir a quantidade de conteúdo, estratégias tradicionalmente usadas para que os alunos não se sintam desmotivados com a área. Também não basta pensar na famosa “matemática do dia a dia”, focando apenas no caráter utilitário dos conceitos. Essa estratégia pode ser importante em vários momentos, seja para realmente dar aos estudantes as ferramentas matemáticas para resolver problemas do cotidiano, seja para contextualizar as situações e promover boas oportunidades didáticas. Entretanto, de nada adianta ensinar que, para calcular o valor do desconto, é preciso aplicar a regra três, se o aluno não souber generalizar esse conceito e adequá-lo aos diversos contextos – só para citar um exemplo.

Outra estratégia comumente apresentada como inovação no ensino da Matemática é o uso de ferramentas tecnológicas, como se o encanto dos alunos pelos aplicativos pudesse mascarar o desencanto pela área. São inegáveis os potenciais dessas ferramentas, assim como é inegável o poder sedutor delas para os alunos. Entretanto, é mais que sabido que os recursos tecnológicos por si só não garantem uma aprendizagem significativa, nem um real vínculo do aluno com as aulas.

Patrícia Sadovsky, pesquisadora argentina referência em Didática da Matemática, defende que o ensino é, antes de tudo, um ato de escuta. Ensinar é escutar. E aí sim está, na minha opinião, a chave para realmente inovar o ensino da Matemática e transformar a relação dos estudantes com essa área do conhecimento.

Trata-se de entender que Matemática não se aprende apenas fazendo atividades, mas principalmente pensando nelas. E, muito além de resolver exercícios, os professores devem criar oportunidades para que os alunos falem sobre essas resoluções. Falar, ouvir, argumentar, debater sobre ideias – estratégias bastante usadas nas aulas das ciências humanas, por exemplo, também devem estar presentes nas aulas de Matemática.

É preciso ter como foco as estratégias que os alunos usam para resolver os exercícios, e não os seus resultados. Perguntar ao aluno como ele resolveu o problema proposto é muito mais importante do que dizer a ele se o resultado está certo ou errado. Pedir que ele ouça como o colega fez a conta, ou que ferramenta matemática o outro amigo escolheu para resolver a tarefa são estratégias fundamentais para darmos aos alunos a oportunidade de pensar e argumentar matematicamente.

Parece óbvio, mas trata-se de uma mudança de perspectiva. É preciso superar o modelo tradicional, no qual existe o saber do professor e o fazer dos alunos, e estabelecer uma relação dialética entre saber e fazer, de professor e de aluno, possibilitando assim a troca, o debate de ideias e, por fim, a construção do raciocínio matemático.

É tirar da Matemática o peso da ciência do certo que se contrapõe ao errado. E tirar do aluno que aprende Matemática o peso do “eu sei porque fiz os exercícios” ou “não sei porque errei os resultados”. É dar aos conceitos e conteúdos o peso necessário e adequado: é preciso sim saber a tabuada, estudar geometria e resolver potenciação, porque tudo isso transforma nossos esquemas de pensamento e são fundamentais para nosso desenvolvimento intelectual e cognitivo. Entretanto, é preciso do saber real, saber fazer e saber por qual motivo fez. Saber comunicar estratégias e defender o uso das fórmulas, generalizá-las, ser capaz de criar a partir delas.

Gostar de Matemática, preferir Ciências, ser das Humanas, querer ser artista, engenheiro,  atleta ou poeta – são as escolhas e os caminhos que cada aluno vai traçar, e eu só posso me colocar admirada, como espectadora privilegiada do percurso de cada criança/jovem que eu acompanho. Nessa minha função de Coordenadora Pedagógica da Miró gosto, principalmente, da diversidade. Gosto de ver o craque do time ensinando o amigo a chutar no gol; gosto de ver que aquele aluno tem uma habilidade especial para as artes, e o outro para os números, enquanto aquele outro sabe tudo sobre sapos!

Mas o desenvolvimento de todos eles, em todas as áreas do conhecimento, e sua formação integral como sujeitos, esse é meu mais profundo compromisso ético, e dele não abro mão. Por isso, sigo uma entusiasta da Matemática, pensando, estudando e refletindo sobre o ensino dessa área, para que todos possam ter o privilégio de desenvolver o raciocínio lógico e abstrato, pensar e se comunicar matematicamente, habilidades fundamentais para um pensamento complexo, crítico e autônomo.