20/05/2021 / Ensino Médio, Escola Miró

CONTRA A SUBTRAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DE EXISTIR

(…)Do fundo do meu coração

CONTRA A SUBTRAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DE EXISTIRDo mais profundo canto em meu interior, ô

Pro mundo em decomposição

Escrevo como quem manda cartas de amor(…)

Emicida – AmarElo

Aquilo que depreendemos das representações que os educandos produzem da realidade escolar nos interiores das salas de aula e seus inúmeros outros contextos de intercruzamentos, principalmente no tocante às práticas de aprendizagem, ao uso da tecnologia de informação, às relações com os outros para produzirem narrativas, é o assunto desse texto. De início, uma contextualização minúscula.

I – Do mais profundo canto em meu interior.

Quando escrevemos experiência habitamos a casa pensante de Jorge Larrosa Bondía. Segundo ele, o sujeito da experiência não é aquele da informação e do trabalho, não é também aquele sujeito do saber ou do julgar, tampouco o sujeito do querer ou do poder. Se escutamos na língua do autor, o espanhol, experiência é o que nos passa, e por consequência, o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem. Temos, então, que esse sujeito da experiência seria algo como “uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos” (LARROSA, 2014). Porém, o sujeito coevo é um ser da ação que se relaciona com os acontecimentos do ponto de vista da ação. Assim, no caso dos estudantes do Ensino Médio (período de preparo para o futuro) as ações dos jovens são colocadas no território do porvir e não criam vínculo e sentido com o acontecimento no presente, ou seja, não há como serem ao mesmo tempo território de passagem e horizonte atingível. Tal partição deriva de uma estrutura social complexa, que nos tempos atuais, forja e afunila a experiência dos anos no Ensino Médio na aprovação de avalições para ingresso nas Universidades e Faculdades. Relembramos Walter Benjamim, para quem, o logos de nossa sociedade aburguesada, despontencializa a capacidade de ação do sujeito pois as coisas são como são e não se pode mudar nada em relação a isso. A atmosfera de decepção ou conformismo nos tornaram de experiência. Explico, a estrutura social, em todas suas dimensões (política, cultura, moral, legalista, econômica, etc.), nos aprisionou numa causa incausada kantiana, não conseguimos produzir narrativas porque estamos esvaziados de experiência, e ao mesmo tempo, estar esvaziado de experiência nos impede de produzir narrativas.

II – Pro mundo em decomposição.

Quando o modelo escolar reproduz e desenvolve as atividades de aprendizagens nas salas de aula da escola como uma máquina cartesiana observamos que os conhecimentos e valores histórico e socialmente acumulados são transmitidos aos alunos em disciplinas específicas que miram a preparação de pessoas na afluência de concorrências. Como exigir que os conteúdos constituam significados para os estudantes se separados da realidade social deles estão. A exposição da matéria, ou como eles dizem: a explicação, muitas vezes reduz à exposição verbal do professor ou à cópia de anotações na lousa. Quando os conteúdos são ritmados pelos números de aulas e quantidade de informações, não estabelecemos comunicação com o ritmo de aprendizado de João {(que) amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém}. Desculpa Drummond, pelo assalto.

III – Escrevo como quem manda cartas de amor.
Quando nossa atenção transfigura-se no ser que seremos no futuro, escondemos nosso ser nada no presente. Na sala de aula, risos, aflições, afetos e empatias são compartilhados, de pessoa em pessoa nossos estudantes insistem na luta contra a subtração da experiência de existir enquanto viventes dotados de palavras, buscam histórias que transmitam o sentido e o não-sentido como marca da comunicação, e assim, ainda imaginam, opõe-se a castração da criatividade. Desejamos um modelo escolar que produza espaços para os estudantes traçarem seus problemas, inventarem seus sentidos e construírem suas linhas problematizadoras. Para nos livrarmos do círculo

 

 

 

 

 

 

precisamos habitar as palavras. Quando habitantes das palavras, os estudantes ultrapassarão os modelos mecânicos, extrapolarão o dissertar explicativo, demonstrativo, desmistificante. Reencontrarão o espaço do encantamento e da criatividade. Na pedagogia iconoclasta positivista da cópia, demonstração, comparação, reprodução, a relação com as palavras pelo letramento se aparta dos viventes dotados de palavra, e assim, tornam-se viventes dotados de palavras ocas, pois são impedidos dos devaneios de nosso psiquismo pela objetividade científica que superestima o racional. São assim, tolhidos da condição de unificar, conjugar, correlacionar, dissociar, articular e colocar em empatia os sentidos e não-sentidos da experiência.

Em sua multiplicidade de relações e entrelaçamentos, as experiências juvenis, dentro e fora da escola, apresentam o movimento criativo em direção ao resgate da imaginação ruminante dos poetas. A capacidade narrativa é resgatada nas fissuras da educação menor, naquilo que não é do institucionalizado, mas, ao contrário, pertence aos acolhimentos, às trocas e às relações afetivas. As experiências podem ser comunicadas e transmitidas naquilo que sobra de narrativas dos estudantes, noutro registro pedagógico, quando os viventes dotados de palavra ultrapassam a reprodução e tornam-se territórios de passagem, para que algo lhes aconteça. Vai faltar caneta para tanta carta de amor, como disse Emicida.