18/08/2020 / Escola Miró

REPLANEJAMENTOS EM TEMPOS DE PANDEMIA

Escola Miró

 

Por: Marina Novaes de Senne (coordenadora do Fundamental 2)

Prezadas famílias da Miró,

Estamos em um momento de incertezas. Muitas perguntas nos inquietam. Diante desse cenário, precisamos estar em um movimento constante de reflexão, pois não temos gabarito para os problemas que vêm sendo colocados. Por outro lado, precisamos, constantemente, nos lembrar quais são os nossos princípios: o que de fato acreditamos quando pensamos na formação de nossas crianças e jovens? Ter como norte o nossos propósitos e desejos nos ajuda a não velejarmos em vão. Nessa busca por uma adaptação às incertezas guiada por orientações dos órgãos competentes e por nossos anseios, decidimos replanejar nosso segundo semestre nesse contexto de isolamento. O exercício é, antes de mais nada, um movimento de constante reflexão e ponderação da equipe docente que se debruçou sobre questões como: como readequar o tempo didático? O que é prioritário ou essencial? O que eu desejo construir?

O presente texto é uma apresentação desses novos documentos, buscando evidenciar alguns questionamentos que nos foram frequentes nesse momento de reestruturação da nossa prática.

QUAL SERIA O ESSENCIAL A SER GARANTIDO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATÉ O FIM DESTE ANO?

A necessidade de revisão curricular não é uma novidade na literatura acadêmica sobre educação, tampouco uma inovação no pensamento pedagógico da Miró. Essa ideia vem sendo constantemente debatida nos círculos acadêmicos desde o final da década de 1970. As críticas ao modelo propedêutico e seletivo de currículo se pautam, em geral, em três argumentos que, para nós, na Miró, são bastantes caros. O primeiro ponto comumente discutido envolve a crítica à concepção de aprendizagem como transferência do saber. O segundo argumento se vincula à constatação de que muitos sujeitos escolarizados se viam incapacitados de atuar nos problemas reais. O terceiro se justifica na transformação das Universidades do mundo que passam a valorizar cada vez mais o conhecimento teórico associado à prática e, para tanto, reconfiguraram seus Programas de Ensino.

O atual momento em que nos encontramos nos impulsionou a refletir e declarar cada vez mais qual nosso recorte curricular. Ou seja, o que selecionamos como mais importante de ser trabalhado na escola e como podemos construir esses conhecimentos. Nesse caminho, enfatizar os pontos mais importantes a serem desenvolvidos em cada disciplina e em cada ano nos leva a entender uma concepção de currículo muito mais pautada em competências do que em conteúdos acadêmicos. O que muda? A competência é a mobilização de conhecimentos que utilizamos para resolver demandas complexas da vida cotidiana. Nesse sentido, dois aspectos são fundamentais de serem destacados, a saber, quando falamos em um ensino pautado em competências temos que ampliar a concepção de conhecimento que envolve as habilidades não apenas restritas às esferas intelectuais. Para atuar no mundo, nas demandas cotidianas, precisamos contar com uma formação complexa que envolve aspectos emocionais, de trabalho coletivo, de criatividade, ou seja, compreender a necessidade de uma formação global. Além disso, para que os alunos sejam capazes de atuar no mundo real, precisam saber aplicar os conhecimentos. O que coloca a compreensão do currículo para além do saber e reafirma a urgência de pensar como o saber nos habilita a interferir no cotidiano.

Para Zabala, a busca é por uma compreensão de conhecimento mais próximo do mundo real, menos escolarizado. “O uso do termo competência é uma consequência da necessidade de superar um ensino que, na maioria dos casos, reduziu-se a uma aprendizagem cujo método consiste em memorização, isto é, decorar conhecimentos, fato que acarreta a dificuldade para que os conhecimentos possam ser aplicados na vida real.” (ZABALA 2009).

Nesse sentido, não abandonamos os conteúdos acadêmicos tradicionais, vocês poderão encontrar nos Replanejamentos as referências diretas aos objetivos conceituais e factuais de cada disciplina. Contudo, juntamente com esses conteúdos, os professores declararam as competências e habilidades que intencionam construir para tornar cada vez mais consciente os nossos objetivos como instituição de ensino do século XXI. Vocês perceberão que não há tanta diferença com o documento entregue no início deste ano, apenas buscamos enfatizar alguns aspectos mais prioritários. “Não é suficiente saber morfossintaxe ou uma lei da física ou um conceito matemático ou histórico; o que realmente interessa é a capacidade de aplicar o conhecimento à resolução de situações ou problemas reais.” (ZABALA, 2009)

COMO BUSCAMOS EMBASAMENTO TEÓRICO PARA NOSSAS DECISÕES?

Em nossa reelaboração curricular, nos apoiamos nos autores socioconstrutivistas que pensam o currículo. Além disso, em documentos oficiais, como a Base Nacional Comum (BNCC) em coerência com órgãos internacionais como a ONU, a UNESCO e a OCDE, que consideram que a função da escola deve consistir na formação integral da pessoa, para que esta seja capaz de responder aos problemas que a vida propõe. Bem como em revistas especializadas como a Nova Escola que publicou uma série especial, discutida com especialistas, sobre as habilidades prioritárias a serem construídas na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e Médio em tempos de Pandemia.

O QUE PERDEMOS NESSE CENÁRIO DE ISOLAMENTO E PANDEMIA?

Sem dúvida, dois pontos foram bastante afetados no que se refere à escolarização durante a pandemia: o tempo de experiência escolar e as trocas.

Desde o início das aulas remotas a questão do tempo das aulas síncronas, o tempo programado para as atividades foram pontos de muita análise de toda a equipe pedagógica da escola. De que maneira poderíamos propor uma experiência significativa de escolarização sem que isso significasse estar cinco horas e meia passivos à exposição de conteúdos? Nossa tentativa foi buscar garantir um tempo de aula e atividade que pudesse proporcionar uma aprendizagem significativa sem criar, contudo, um stress em nossas crianças e adolescentes. Todavia, há, sem dúvida, ritmos diferentes de aprendizagem entre os alunos. Para alguns foi muito tempo o que nós oferecemos, para outros foi pouco. É mais difícil equalizar essa questão remotamente. A busca por uma aprendizagem significativa foi o caminho que encontramos para tentar amenizar o impacto de perder o tempo comumente utilizado dentro do ambiente escolar.

Para Lino de Macedo, estudioso do construtivismo, “A aprendizagem significativa supõe que se encontre ‘eco’ no sujeito a quem é proposta. Daí sua vinculação com uma forma relacional de competência. A aprendizagem significativa é uma das condições defendidas por Piaget para um método pedagógico ser construtivo. Significativa porque expressa essa categoria da paixão: deixar-se, como sujeito a ser atravessado por um objeto; por isso, estar envolvido, interessado, ativo, em tudo o que corresponde a sua assimilação. Por isso, Piaget, ao menos com as crianças, era muito crítico ao que chamava de “verbalismo da sala de aula”. (Lino de Macedo, 1999)

Outro aspecto de muita relevância entre nossas perdas, foi a questão da troca entre os alunos e alunos e professores. A perda desse contato afetou inúmeros aspectos do desenvolvimento dos discentes. O desenvolvimento emocional, a construção de identidade, os momentos de cooperação. No que se referem às perspectivas de construção do conhecimento acadêmico, esse fator também representa uma perda, uma vez que a aprendizagem se dá na interação, pilar metodológico fundamental do socioconstrutivismo. Quando entramos em contato com os modelos explicativos de meu colega, amplio as possibilidades de explicação e atuação no mundo. E também é nessa troca que somos desafiados, construímos hipóteses e podemos validá-las ou refutá-las. Temos tentado propor diversas situações de trabalhos em grupo, momentos de conversa, momentos de lazer para que esse aspecto da troca seja minimamente cuidado. Entretanto, temos a certeza de que é uma perda bastante significativa e impossível de ser totalmente sanada.

O QUE FOI POSSÍVEL CONQUISTAR?

Apesar da situação de exceção e dos inúmeros impactos no processo de desenvolvimento de nossos alunos, também pudemos observar uma série de conquistas na construção de competências entre nossos alunos e alunas.

Em pouco tempo, grande parte de nossos alunos ampliou significativamente a fluência na linguagem digital sendo, cada vez mais, capazes de construir uma importante competência exposta na Base Nacional Comum Curricular:  “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.” (BNCC)

Além disso, pudemos investir em um importante viés metodológico de nossa escola que é a busca por autonomia intelectual. Procuramos proporcionar diferentes situações em que o aluno se coloca como protagonista do processo de construção do saber e, assim, avance em mais uma importante competência explicitada na Base: “Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas” (BNCC)

O momento de isolamento nos fez, mais uma vez, afirmar o papel da arte na construção de tantas habilidades necessárias para atuar no mundo contemporâneo. Por isso, insistimos em propostas que valorizem as distintas linguagens artísticas como possibilidade indelével de ampliação de repertório, conforto emocional, construção de identidade; “Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.” (BNCC)

Assim, mesmo com tantos danos, conseguimos construir importantes estruturas procedimentais. “Esse tipo de aula, insisto, continua tendo um lugar, mas cada vez mais torna-se necessário também o domínio de um conteúdo chamado de ‘procedimental’, ou seja, da ordem do saber como fazer. Vivemos em uma sociedade cada vez mais tecnológica, em que o problema nem sempre está na falta de informações, pois o computador tem cada vez mais o poder de processá-las, guardá-las ou atualizá-las. A questão está em encontrar, interpretar essas informações, na busca da solução de nossos problemas ou daquilo que temos vontade de saber.” (Lino de Macedo, 1999).

O QUE FAMÍLIAS E ALUNOS ENCONTRÃO NO DOCUMENTO DO REPLANEJAMENTO?

Os professores reestruturaram seus planejamentos para o Segundo Semestre pensando em ajustes de projetos e inserção de discussões potentes para serem realizados remotamente. Além disso, os professores declararam mais as competências e habilidades que pretendem trabalhar entendendo que essa é a prioridade, associar a perspectiva da formação integral a partir de conhecimentos para atuar na vida real, cotidiana. As habilidades e competências continuam sendo nossa busca curricular, todavia agora estão sendo mais declaradas nos planejamentos e associadas aos conteúdos acadêmicos.