15/05/2019 / Fundamental 1
O uso do território e o desenvolvimento de novas capacidades
Ana Paula Fortes – Coordenadora do Fundamental 1
Cabe a escola o papel de promover situações que favoreçam o pleno desenvolvimento dos alunos em suas múltiplas dimensões – física, social, afetiva, simbólica, intelectual. A utilização do território (espaços e tempos ativos fora da escola) faz parte dessa construção do sujeito como possibilidade potente de ampliar esse desenvolvimento.
Quando os alunos cruzam os muros da escola em direção a espaços públicos (praças, parques, teatros, museus, cinemas, outras instituições da cidade) ou viagens para estudos de campo, podem aprender a partir de situações reais e experimentar diferentes problematizações e significações do seu entorno. Vivenciam, assim, aspectos que saem do que estão acostumados e entram em contato com outros vários componentes da sua cultura como regras, manifestações, informações, explicações, valores, atitudes, além de trabalhar com as possibilidades de interação com os espaços e as diferentes pessoas que os ocupam. Ampliam-se, assim, o contato e o desenvolvimento do respeito pelas mais distintas formas de expressão, pela diversidade. E, por meio deste aprofundamento de vivências culturais, aproximamos nossos alunos de se tronarem membros sociais ativos e agentes de criação de cultura, e não somente expectadores.
Metodologicamente, todas essas são aprendizagens, que não seriam possíveis no espaço restrito da escola e que, também só são possíveis, porque há um investimento pedagógico-educativo que se propõe a instigar reflexões anteriores e posteriores à ida a campo, e, durante a mesma, criar oportunidades de observação e ação concreta. Todas essas são aprendizagens que só se tornam possíveis com propósito e constância, para que, assim, se dê a construção do olhar investigativo e a atitude de busca de respostas. Não basta, portanto, que aconteçam esporadicamente, sem intenção e sentido claros.
Ao longo do nosso currículo, portanto, procuramos garantir diferentes momentos de idas a campo, que podem durar horas fora da escola ou até mesmo dias, quando são organizadas as viagens de estudos.
Além do currículo já previsto, também procuramos valorizar aspectos emergentes da cultura local (eventos da cidade), como exposições, peças teatrais, filmes e outros espetáculos culturais que possam acrescentar em amplitude de conhecimento e lazer e ajudar no desenvolvimento de atitudes e posturas.
Nos últimos anos, com a inauguração do Parque das Artes, em frente a Miró, a escola passou também a utilizá-lo como espaço educativo e de convivência social. Uma visita por uma turma ou outra, um evento anual com as famílias, fez com que fossemos, aos poucos, nos familiarizando com sua estrutura física, com os horários de maior ou menor uso, com as atividades nele praticadas e com seus usuários. Em 2017, passamos a usar o parque para mais atividades e também com as famílias, o Miró no Parque. Em 2018, o 3º ano, com o estudo de Espaços Públicos, visitou o parque por várias vezes para pesquisar e conhecer melhor o público que o frequenta e as atividades que são realizadas nele. Outras turmas da escola passaram a utilizá-lo para estudos de observação do meio e também para atividades de lazer, pós lanche.
Assim, de um uso meio tímido e até meio desconfiado, porque nos fez entrar em contato com o diverso que nos cerca e fez com que tivéssemos que rever nossos olhares para o outro, ganhamos uma intimidade com esse espaço como se fosse o quintal de casa.
O poeta Manoel de Barros, em seu livro Memórias inventadas: A infância, diz que o quintal onde brincamos é maior do que a cidade.
TRECHO
”Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. (…) Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos (…).”
As idas ao parque em frente à escola tem sido como ampliar o nosso quintal. Há uma busca por novas formas de brincar, de olhar e interagir com o outro, de reconhecer as regras desse espaço e a forma como as pessoas que o frequentam fazem uso das mesmas. A cada ida, novas descobertas, novas propostas de brincadeiras e de dividir o uso dos espaços com as mais variadas pessoas.
Aos poucos, as crianças vão criando “intimidade” com o diverso que as cerca. E a compreensão e intimidade com a diversidade, tão importantes para o desenvolvimento das múltiplas dimensões do ser, só podem ser maiores a partir da interação, do contato, da ampliação do nosso pequeno olhar. Assim, “nosso parque quintal” tem sido fundamental para vivências múltiplas de encontro com o outro e, consequentemente, com nós mesmos.
Esperamos ainda intensificar esse uso e sermos “achadouros”, agora num sentido diferente do poeta, de novas formas de ocupação desse espaço, que hoje ainda é tão limitado para crianças e jovens.