23/04/2019 / Educação Infantil, Fundamental 1, Fundamental 2

ENCONTROS DA DIVERSIDADE

Por: Marina Senne – Coordenadora do Fundamental 2

“Não temos, nunca, compreendido o outro. O temos, sim, massacrado, assimilado, ignorado, excluído e incluído, e,engrenagem por isso, para negar nossa invenção do outro, preferimos hoje afirmar que estamos frente a frente com um novo sujeito. Mas, é preciso dizer: um novo sujeito da mesmice. Porque se multiplicam suas identidades a partir de unidades já conhecidas; se repetem exageradamente os nomes já pronunciados; são autorizados, respeitados, aceitos e tolerados apenas uns poucos fragmentos da sua alma.” (Carlos Skliar)

Há tempos temos nos preocupado com a maneira como a escola lida com a diversidade. Cada vez mais o discurso das diferenças tem ganhado espaço nos textos acadêmicos. Entretanto, a suposta novidade nos textos pedagógicos com frequência traz uma nova roupagem para os velhos modelos. Entendemos a escola como um projeto da Modernidade preocupado em produzir e reproduzir mesmices. “A mesmice da escola proíbe a diferença do outro” (Carlos Skliar). Dentro dessa escola, comumente encontramos uma pedagogia que hospeda o outro, como forma de domesticá-lo.

Percebemos três modelos de ação ao longo da maioria das experiências de inclusão/exclusão nas escolas. Historicamente, havia uma negação da diferença e, nesse sentido, a escola se fechava para entrada do outro que não fosse o padrão intelectual, social e físico esperado. Não havia vaga nem espaço para o diferente. Nas últimas décadas um discurso supostamente inclusor abriu as portas das instituições escolares para a diferença, construindo um segundo modelo de inclusão. Todavia, na intenção de colonizar esse outro. Nessa segunda fase de experiências, na qual ainda estamos mergulhados nas escolas e, portanto na Miró, o outro é aceito em nossas lógicas de produção, ou seja, apenas aceitamos o diferente mas é ele que deve se adaptar as nossas metas de produtividade. Ansiamos por uma terceira fase na compreensão da diferença em que a escola, as pessoas da escola, possam se abrir para o outro, em que se seja possível construir um paradigma distinto em relação à diversidade:  “É preciso que todas as crianças possam se tornar o que são.” (KOHAN, 2013, p.34)

Nesse sentido nos colocamos esse novo e tão antigo desafio: como significamos processos tão particulares de construção do sujeito em um espaço coletivo? Como elaborar projetos comuns para indivíduos tão particulares?

Silvio Gallo (2014) publicou um artigo “mínimo múltiplo comum” que discute novas possibilidades para a educação. Para ele, precisamos fugir da “educação maior” no sentido de negar as reflexões e prescrições oficiais e criar espaços para pensar o menor, o singular e o mínimo. Ou seja, a educação escolar deve criar brechas para entender as singularidades e subjetividades. A ideia de múltiplo é desenvolvida na medida em que não existe um único caminho para educação. Portanto, para ele é preciso estabelecer críticas aos projetos totalizantes que criam uma “sociedade pedagogizada”. Por fim, Gallo argumenta que nossos projetos de educação precisam ser comuns mas somente se estiverem carregados da ideia de mínimo e múltiplo. Por isso, as trocas e aprendizagens são coletivas, todavia, a singularidade deve ser respeitada. Foucault descreve esse movimento de pensar no mínimo sem reproduzir o discurso individualista de homem moderno, assim: “pensar em uma subjetividade que recuse a individualidade”.

Nessa perspectiva, em 2018 formamos aqui na Miró o grupo “Diferença como valor” para pensar a diversidade na escola na intenção de sermos resistência à indiferença. O grupo reúne equipe gestora, alguns professores, alguns profissionais da área da saúde mental e famílias da Miró. Não tem um caráter institucional, entretanto percebe a potência do espaço escolar para desconstruir o modelo homogêneo de sujeito. Entendemos que é preciso cavar espaços em nosso cotidiano para darmos voz às diferenças sem burocratizar o outro. Portanto, nosso anseio não é baixar portarias, escrever manuais, criar regras, mais uma vez preocupadas em domesticar o outro e inseri-lo em nosso projeto de eu. Como disse Carlos Skliar é preciso vibrar com o outro. Para isso, precisamos de um tempo para a escuta, para arte, para o corpo.

Desde que começamos, não tínhamos claro qual metodologia seguir, mas nunca nos faltou clareza sobre o desejo de repensar o espaço da escola em tempos suados de indiferença e construir espaços em que as pessoas pudessem ser tocadas pelos infinitos outros possíveis. Nossa intenção era envolver a comunidade escolar na reflexão sobre a diferença, não como um atributo individual que aprisiona, mas a expressão da diversidade humana.

Nesse sentido, nossos encontros eram um misto de grupo de estudo e troca de experiências, em que a escola e cada um como indivíduo se abria para ouvir as palavras e os silêncios do outro.

No ano passado, discutimos alguns artigos: “A educação e a pergunta pelos Outros: diferença, alteridade, diversidade e os outros “outros”” e “Sociedade: tolerância, confiança, amizade”. Em nossas reflexões chegamos a conclusão que uma ação mais eficiente precisaria envolver famílias, alunos, professores e funcionários. Para as famílias do Fundamental 2 foi pensada uma palestra com o tema da Adolescência a fim de problematizar a questão da aceitação e do sofrimento nessa fase. Para os alunos, tivemos a ideia de mobilizar pela questão: todos sofrem, como é doída a exclusão, como ser empático a dor do outro lembrando das minhas dores? Nesse sentido, organizamos um questionário para todos os alunos do Fundamental 2 com questões do tipo: o que me faz sofrer? “A morte, a indiferença, ficar sem jogar, não ser convidado”. Respostas que nos incomodaram e nos acentuaram necessidades para falar do outro. Terminamos o ano de 2018 cheios de dados e vontade de abrir mais possibilidades para que os alunos falem o quão sofrido é buscar ser o que se é. Por isso, nossa vontade de que a escola se firme como o lugar da diferença e de se falar sobre ela.

Em 2019, nossa intenção é ampliar esse grupo para quem também deseja um espaço para troca sobre a diversidade. Como já foi dito, os encontros não têm como função dar repostas sobre a diversidade na escola, portanto, funcionarão mais como roda de conversa, leitura coletiva, sensibilização, vivência.

Partimos da premissa: a diversidade deve ser valorizada e acreditamos que um caminho possível para essa valorização é a autorreflexão. Precisamos ser tocados, nos desconfortarmos, para assim, darmos espaço para qualquer outro. Acreditamos na arte, no papo e na ciência como ferramentas para nos aproximar das diferenças.

É isso, temos uma vontade: pensar a diversidade na escola. Temos um começo: um grupo de pessoas responsável por organizar os encontros. Temos um medo: sermos tomados pela indiferença. Temos um palpite: a troca e arte podem nos ajudar. E não temos certeza de onde podemos chegar, mas sabemos do nosso desejo em orquestrar uma formação inventiva como possibilidade de sermos o que somos e, de repente, para diferirmos daquilo que já somos.

Você está convidado para os nossos ENCONTROS DA DIVERSIDADE!

 

Referências Bibliográficas

GALLO, Silvio. Mínimo múltiplo comum. In: RIBETTO, A. (org.) políticas, poéticas e práticas pedagógicas. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014.

KOHAN, W. O.   Infância de um ensinar e de um aprender (J.Rancière). In: Infância. Entre Educação e Filosofia.  Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 181-205.

LARROSA, Jorge & SKLIAR, Carlos (Orgs.). Habitantes de. Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

MATOS, Olgária. Sociedade: tolerância, confiança, amizade. Revista USP. Março/maio 1998.

SKLIAR, Carlos. A educação e a pergunta pelos Outros: diferença, alteridade, diversidade e os outros “outros”. Ponto de Vista, Florianópolis, n.05, p. 37-49, 2003.

SAWAIA, BADER (Org.) As artimanhas da exclusão. Análise psicossocial e ética da desigualdade social. EDITORA VOZES, Petrópolis 2001.