05/03/2018 / Educação Infantil

Adaptação

Por: Alethéa de Oliveira Rodini e Lucia Helena de Souza Santos

EI

“Sou raiz, e vou caminhando

Sobre as minhas raízes tribais.”  – Cora Coralina

 

Ao longo de nossa vida passamos por diferentes processos e necessidades de adaptação. Desde muito pequenos até a idade adulta nos deparamos com situações novas, previstas ou inesperadas que requerem de nós um encontro com o inédito, uma mudança na maneira de viver, ser ou pensar. Ficar na escola, se não a primeira, é apenas uma das inúmeras adaptações da nossa vida. Por isso, acreditamos que o período de adaptação é um momento muito importante e muitas vezes é vivido com muitas expectativas e acompanhado de algumas dúvidas e inseguranças por parte das famílias e dos alunos, afinal lidar com novidades causa sentimentos nada comuns a qualquer pessoa, não importa a idade.

A entrada na escola, o retorno às aulas ou a mudança de grupo ou de professor representam muitos desafios para os alunos e suas famílias.

Para os pequenos, que estão ingressando pela primeira vez na escola, tentamos dimensionar esse momento tão significativo refletindo o que é para uma criança passar de um universo individual para um que é coletivo, passar da vivência de um núcleo familiar para a experiência da vida em grupo. Será na escola que este indivíduo, ainda que pequeno, começará a construir um espaço essencialmente dele, longe de seus familiares ou cuidadores. A criança sai de um ambiente confortável e conhecido onde seus gestos, choros e expressões são atendidos e entendidos prontamente e passa a conviver com o outro em um ambiente completamente novo, com signos próprios e uma língua que é da coletividade, do todo e para todos.

Essa etapa inicial precisa ser acompanhada de paciência e muito afeto. Não devemos apressar a alegria, precisamos acolher, respeitar tempos e espaços das crianças, saber que uma adaptação bem-sucedida passa essencialmente pela compressão do mal-estar da mudança. Que é necessário cultivar o encantamento entre professor e aluno para que, mesmo diante de um choro, uma frustração, uma angustia a criança encontre um lugar para se sentir protegida, ancorada e segura para viver a despedida dos adultos que a acompanham ou se acalmar diante de uma situação ainda difícil para ser encarada.

Esse momento é também muito cuidado por toda a equipe da Escola Miró. Pensamos diária e cuidadosamente em uma rotina para atender e acolher a todos com suas particularidades, sentimentos e necessidades, afim de garantir e enraizar bons vínculos afetivos e de apego entre os adultos da escola e o aluno iniciante. É importante também criar relações de transparência e confiança entre escola e famílias, por isso, há um criterioso planejamento quanto aos espaços, tempos, materiais e pessoas da escola para que tudo esteja devidamente preparado para receber nossos alunos.

O acompanhamento dos familiares (ou outro adulto) nos primeiros dias na escola é muito importante para que a criança se sinta encorajada a explorar e a enfrentar o novo ambiente. Esta é também mais uma oportunidade para que a família possa conhecer melhor a equipe e o cotidiano escolar, para que, dessa forma, o vínculo de confiabilidade se construa mais natural e plenamente.

Algumas reações são esperadas nessa etapa. Como o processo de adaptação é muito individual e particular a cada criança e família, as reações ao separar-se e reencontrar-se com os adultos podem variar muito. Há crianças que chegam curiosas e logo criam vínculos com as professoras e colegas. Há outras que levam mais tempo, estranham o ambiente e as pessoas, choram ao se separar dos familiares e, às vezes, não querem vir para a escola. A resistência no momento da separação é frequente e nem sempre significa que a criança não queira ficar no ambiente escolar, geralmente, é uma forma de tentar manter os pais por perto e o “chororô” logo cessa, frequentemente assim que os familiares desaparecem do campo de visão das crianças e elas podem, desvencilhadas dos familiares, se entregarem aos acontecimentos escolares que as esperam.

Com o mesmo cuidado olhamos para os alunos que já frequentam a escola, pois o retorno das férias, a retomada da rotina, a mudança de professores, o começo de um novo ano letivo, de um grupo ou série sempre é motivo daquele friozinho na barriga, do receio de enfrentar o novo, mesmo sendo esse espaço já conhecido, com relações já estabelecidas e conhecendo toda estrutura da escola. Sabemos que essa retomada é um processo mais simples, porém precisa de bastante atenção, por isso planejamos, de forma bastante intencional, ações pedagógicas e atividades para estimular que nossos alunos se sintam confiantes, curiosos e desejosos dos desafios do novo ano escolar.

Partimos da premissa de que mudar sempre é bom! Toda troca provoca uma nova identidade, areja as relações, nos faz pensar em novas formas de convivências, amplia nossos afetos, cria novos olhares para um mesmo lugar. Quando a escola proporciona estas vivências de mudanças quer oferecer às crianças e adolescentes a possibilidade de experimentar e desenvolver novas formas de construção de vínculos, criar novas maneiras de se enxergar, enxergar o outro, se abrir para o novo. Mostramos a eles que podem ser diferentes mesmo num ambiente já conhecido e familiar, que todo ano é um recomeço e sempre se têm a possibilidade de serem diferentes, de crescerem.

Ninguém volta para um lugar da mesma maneira que saiu. Todo dia nos transformamos. O importante é que estejamos abertos a tudo que um novo ano letivo pode nos oferecer.