28/09/2017 / Fundamental 1
Os alunos conversam em sala de aula!? Por quê?
Por Ana Paula Fortes – Coordenadora do Fundamental 1
Passei onze anos como aluna de escola pública, na cidade de São Paulo. Tive a sorte de estudar nas escolas mais concorridas da região em que morava. O ensino na época, década de 70, início dos anos 80, não era nada diferente do que ainda se vê em muitas escolas públicas e particulares do Brasil. Salas de aula com mesas individuais, enfileiradas, voltadas para um grande quadro negro e para a mesa do professor.
Ainda, hoje, infelizmente, essa é a configuração mais comum nas salas de aula.
O que essa configuração nos revela é uma cultura, fortemente enraizada, na qual o professor tem um papel destacado na sala de aula, por ser o grande detentor do conhecimento, alguém que busca transmitir os conhecimentos, para “formar” os alunos e colocá-los, futuramente, nas universidades e mercado de trabalho.
Neste tipo de sala de aula, há pouco espaço para o aluno, para a exposição do seu saber, de dúvidas, curiosidades… A exposição do que ainda não conhece completamente é entendida como erro, conversas entre alunos são consideradas indisciplina, transgressão, desacato à autoridade do professor, que tem seu tempo medido, na sala de aula, em função dos conteúdos que deve passar ao grupo.
Esse modelo de escola é herança da revolução industrial do final do Séc. XIX, em que a escola passou a buscar a aprendizagem em massa, a homogeneização do saber para a formação de mão-de-obra qualificada, para ingressar no mercado de trabalho.
Mas o que se espera hoje no mercado de trabalho? Com toda a amplitude de profissões existentes, o mercado visa não só conhecimentos técnicos, mas boa comunicação oral e escrita; aptidão para trabalhar em equipe; pró-atividade, iniciativa para tomar decisões; capacidade de adquirir, processar e aceitar novas informações e mudanças; refletir sobre erros e acertos; versatilidade funcional; liderança; cultura geral; criatividade… Enfim, as tais competências para o Século XXI.
Escolas no mundo inteiro, ditas inovadoras, buscam outras formas de pensar a sala de aula, o processo de ensino-aprendizagem, a fim de promover a formação dessas competências.
Algo que está no centro dessa inovação é o protagonismo do aluno e a mudança do papel do professor, agora, não mais como transmissor, mas como facilitador e mediador da construção de conhecimentos e competências.
A pedagogia de projetos, a aprendizagem a partir da busca de solução de problemas, as pesquisas, os empreendimentos individuais e os coletivos… passam a ser o centro do trabalho na escola. Muito dos conhecimentos dos alunos, e não só dos professores, devem circular na sala de aula. Dessa forma, pensar a aprendizagem é colocar a discussão, a troca e a reflexão como principais ferramentas do ensino. É por meio das trocas e discussões que uma grande quantidade de informações e conhecimentos, hipóteses e erros, dúvidas e acertos circulam em sala de aula.
As conversas orientadas e com objetivos pré-planejados, antes sinal de mau comportamento, hoje são o que favorecem o desenvolvimento de competências múltiplas, cognitivas, interpessoais e intrapessoais, tais como: pensamento crítico, análise, interpretação, razão e argumentação, habilidade de escutar, cooperação, confiança, responsabilidade, liderança, valorização da diversidade, adaptação, responsabilidade, cidadania, interesse intelectual…
Para a sociedade atual, em que as tecnologias estão cada vez mais presentes, em que as informações circulam em grande quantidade e velocidade, será necessário, para a escola, segundo Zabala,
“… oportunizar situações em que os alunos participem cada vez mais intensamente na resolução das atividades e no processo de elaboração pessoal, em vez de se limitar a copiar e reproduzir automaticamente as instruções ou explicações dos professores. Por isso, hoje o aluno é convidado a buscar, descobrir, construir, criticar, comparar, dialogar, analisar, vivenciar o próprio processo de construção do conhecimento. (ZABALLA, 1998).”
A escola, hoje, precisa se rever, se atualizar, buscar novos meios de colocar o aluno como protagonista do seu próprio aprendizado.
O professor tem o direito de não saber tudo, de descer do seu pedestal, de se colocar como parceiro do aluno em seu processo de aprendizagem. É alguém, sim, que sabe mais, e, por isso mesmo, consegue oportunizar situações e desafios nos quais os alunos se interroguem, formulem e confrontem suas hipóteses com os demais alunos, busquem argumentos para suas ideias e revejam seus erros, na tentativa de compreendê-los e superá-los.
O professor deve garantir, em sala, a circulação da maior quantidade de informações possíveis, aproximando os alunos dos conhecimentos historicamente construídos, ajudando-os a perceberem que o conhecimento não é estático e que existem, muitas vezes, diferentes concepções e pontos de vista sobre um mesmo assunto.
De modo geral, o que separa a minha escola dos anos 70 das escolas atuais, no decorrer de quatro décadas, são ações ainda isoladas, pouco consistentes para mudanças significativas que tirem o aluno de um papel mais passivo, como protagonista de sua própria aprendizagem.
Aqui, na Miró, buscamos, na contínua formação docente, na constante revisão do nosso currículo, na reflexão diária das nossas práticas educativas, nas ações dos alunos, formas de estarmos mais conectados com as necessidades atuais de aprendizagem.
Se o desenho das nossas salas mesmo que não o tempo todo, mas de alguma forma, ainda traz mesas voltadas para a lousa e professor, o que temos de fato em nossa rotina é um ambiente em que os alunos têm sim papel ativo, são constantemente desafiados, trocam de lugares e parcerias constantemente, buscam informações em diferentes fontes, compartilham o tempo todo seus conhecimentos, se deparam com seus erros e dúvidas, refletem sobre o próprio processo de aprendizagem para que possam se autorregular, muito diferente de metodologias que têm na transmissão de conhecimentos a principal ferramenta didática para aprendizagem. Acreditamos que somente assim estaremos formando-os para que, realmente, construam as competências do Séc. XXI.